terça-feira, 1 de agosto de 2017

Wagner Gonzalez em Conversa de pista - Evitemos um curto circuito

Marcas alemãs provocam releitura do automobilismo.

Futuro do esporte está em nichos de entusiastas.

Carro elétrico ocupará parte do mercado.


Nos últimos dias a Fórmula E, categoria inédita reservada a carros elétricos, ganhou manchetes mundo afora graças à adesão da Mercedes e Porsche e alguma repercussão extra na Terra Brasilis, cortesia da conquista do título da temporada 2016/2017 pelo brasileiro Lucas Di Grassi. Se não há dúvidas de que essa proposta cresce, igualmente não se pode discutir que manter os dois pés no chão, calçados em sapatos de borracha, evitará as consequências de um curto-circuito.

Por mais rápido que avance o progresso dessa “variante de mobilidade”, o mundo capitalista ainda não está preparado para simplesmente jogar na vala do descartável os bens e hábitos de consumo que sustentam boa parte da economia mundial há mais de um século. O fato que Audi, BMW, Mercedes e Porsche se enfrentarão a partir de 2019 em uma arena também ocupada por DS (leia-se Citroën), Jaguar, Renault e empresas chinesas levou arautos do apocalipse a propagar que o automobilismo que conhecemos acabou.

Talvez digam isso por acreditar que o automobilismo jamais evoluiu e nunca aprendeu com seus erros e acertos; seria apregoar que o formato da Paris-Bordeaux de 1895, até hoje considerada a primeira competição automobilística do mundo, predominasse hoje em dia em Le Mans, Indianapolis ou Interlagos. Se a Porsche deixou a classe mais sofisticada do Mundial de Endurance e a Mercedes o DTM, seus carros continuarão colecionando vitórias nas categorias de grã-turismo.

Durante um quarto de século acompanhei a F-1 mundo afora e lá se vão 60 anos que frequento autódromos assistindo competições das mais variadas categorias. Nesse mesmo período, computadores deixaram de ser mostrengos para se tornar objetos de primeira necessidade, assim como automóveis e várias outras conquistas tecnológicas.

Fato consumado, passamos a conviver com um antagonismo saudável: na mesma medida que vivemos uma era de massificação, o excesso de informação bombardeada incessantemente nos oferece a oportunidade de escolher nichos cada vez mais específicos. Nos chips instalados no celular nosso de cada bolso carregamos nossos grupos de Whatsapp: não nos comunicamos mais por cartas, mas não deixamos de lembrar de quem nos é caro ou cara, este último adjetivo imposto pelo pedantismo do politicamente correto.

O automobilismo muda há tempos: a F1 perdeu a aura de reduto de intrépidos e ganhou até um halo representado fisicamente por um arco de segurança indigesto para autoentusiastas de raiz e louvado por irmandades da proteção absoluta. Se essa imposição vingar vai acabar valorizando ainda mais os modelos que em 10, 15 anos povoarão encontros como Goodwood e os cada vez mais numerosos eventos voltados ao automobilismo clássico, caso das 24 Horas de Daytona e do GP de Mônaco. Quem não quer viajar tanto pode acompanhar o Grande Prêmio Histórico da Argentina, que reúne anualmente cerca de 200 automóveis iguais aos que competiram nas estradas del país hermano en los años 1960.

Difícil aceitar que o capital investido em carros de alto valor pecuniário ou sentimental serão eletrocutados por baterias de lítio ou dissolvidos por pílulas de combustível alternativo como se não houvesse amanhã. Nos Estados Unidos é imenso o número de campeonatos voltados a uma determinada marca e formatados com receita de evento de primeira grandeza; na China, o maior consumidor atual em todo o mundo, crescem vários programas para desenvolver pilotos locais e do sudeste asiático, outra evidência que o esporte tem alternativas. Não dá para acreditar que todo esse capital será sumariamente desprezado.

Negar o automóvel elétrico é impensável tanto quanto apregoar o fim do esporte. Apregoar que o futuro vem com o efeito autorama que os carros da Fórmula E criam ao percorrer circuitos montados nos centros de metrópoles é autorizar eutanásia em quem tem gasolina nas veias. Muito mais sensato do que isso é enxergar que novas ofertas trazem consigo novas oportunidades e descobrem afinidades incubadas. A única coisa que não se pode aceitar é matar ou santificar o automobilismo de competição. Em poucas palavras, não sejamos radicais.




Wagner Gonzalez
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