quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Wagner Gonzalez em Conversa de pista

Wagner Gonzalez

Bernie & Max Road Show‏



Dupla de velhos amigos trabalha para ressuscitar a Cosworth e alterar o status quo da F-1. Proposta inclui baratear custos e  evitar que grandes corporações ganhem mais poder…



Era uma vez um reino mais ou menos unido onde um punhado de gente gostava muito de corridas de automóvel. Uns entendiam muito da parte técnica e construíam carrinhos inovadores e preparavam motores potentes; outros entendiam mais de organizar equipes e vender seus conhecimentos para quem se dispusesse a pagar. Um outro, visionário de carteirinha, enxergou um astuto político em um desses letrados e o manteve desde então a seu lado e criou a categoria mais cara do automobilismo mundial.

Quase meio século depois que esses se conheceram e se aproximaram, Bernie Ecclestone e Max Mosley seguem na ativa. Atualmente estão empenhados em promover na mídia internacional a idéia de que substituir os motores híbridos atuais por uma versão mais barata é a solução de todos os males. Segundo o discurso de ambos, a justificativa é proporcionar a chance de pequenas equipes terem condição de disputar vitórias e trazer equilíbrio e emoção à categoria. Ocorre que nesse quase meio século muita água passou por debaixo da ponte e o que está em jogo hoje é a salvação não de um reino, mas de um império.

Grandes corporações, daquelas acostumadas a contabilizar cada folha de papel A4, reciclado e usado frente e verso, entraram em cena e descobriram que é possível ganhar dinheiro no circo da F-1 além de promover suas marcas, produtos e imagem. O caminho, para isso, acredite ilustre passageiro, não é o rum creosotado diriam os fãs de Fangio que andaram nos bondes paulistanos. A receita é a estrutura que garante à Ferrari uma parcela maior de prêmios por causa do seu passado histórico. Com Mercedes-Benz e Renault investindo tanto quanto a famosa Scuderia e obtendo vitórias e títulos, os executivos de plantão descobriram que poderiam tirar vantagem da situação.

Nunca antes na história da F-1 as fábricas de automóveis investiram tanto, exceção feita a alguns períodos nos anos 1950 ou no ressurgimento dos motores turbo, via Renault e BMW, duas décadas mais tarde, quando os franceses chegaram, investiram, desbravaram o caminho de desenvolvimento e fabricação de peças que exigiam resistência e durabilidade em níveis inéditos. Até Nélson Piquet ganhar o primeiro título com um carro (Brabham-BMW) turbo a brigada dos garagistas insistiu no velho e confiável Ford Cosworth DFV e algumas trambicagens antológicas, como uma caixa de água para refrigerar os freios, reservatório que só era enchido ao final da corrida, quando os carros paravam no parque fechado…

Entra ano, sai ano, chegamos à década de 1990 , quando Max Mosley assumiu a presidência da FISA (Federação Internacional do Automobilismo Esportivo. o braço esportivo da FIA) em 1991, passo que o levou a conquistar a presidência da FIA (Federação Internacional do Automóvel), dois anos mais tarde, e onde ficou até 2009. Nessa época, o desgaste de Jean-Marie Balestre (1921-2008) era tamanho que o biênio na FISA foi usado como uma ponte para a transição mais calma do poder disputado por ambos. Naqueles tempos o inglês defendia a introdução de eletrônica embarcada nos carros da F-1 “sob pena de termos um paddock lotado de carros muito mais modernos e eficientes do que aqueles que entram na pista”, segundo palavras que ele proferiu na sala de imprensa de Suzuka, no Japão.

Desde então não foi apenas a eletrônica que cresceu nos Grandes Prêmios. O capítulo mais recente desta história são as unidades de potência que engoliram o então todo poderoso motor de combustão de interna que já deu tantas alegrias e tristezas. Estas máquinas sofisticadas e caras criaram uma situação esdrúxula ao formar um conjunto que une esses motores a explosão a unidades de recuperação energia cinética – e que formam aquilo que em inglês é conhecido como “power unit”. Mais silenciosas, eficientes, complexas e complicadas elas não permitem que pequenos fabricantes ou empresas independentes encarem potências como a FCA (holding que incorpora a Ferrari), Honda, Daimler (controladora da Mercedes-Benz) e Renault. Não têm como.

O perigo não mora apenas nesses quatro endereços: entre ficar à mercê dessas empresas e arriscar perder o comando do show e recriar a categoria, Ecclestone e Mosley sabem que precisam agir. E depressa. A CVC Capitals, controladora da F-1, quer se desfazer do negócio, segundo Ecclestone, “porque sua política de governança assim o exige”. Os possíveis interessados querem, com razão, que Bernie siga comandando o circo, algo que ele já aceitou. E para manter o poder é preciso dividir as forças, fazer acordos e conceder o mínimo de benesses para manter todos satisfeitos. Aquela velha história do “dividir para reinar”…

Assim, agora é hora de pregar o controle de custos, reinventar soluções antigas a ponto de nesta entrevista Mosley citar várias vezes a Cosworth como uma possível fornecedora de motores economicamente viáveis. E aqui estão em jogo interesses da indústria britânica, que tem no automobilismo de alto desempenho uma parcela significativa do seu PIB, e uma nova disputa política entre ingleses e franceses; não é de hoje que Max e Bernie disparam fogo amigo contra Jean Todt. Dizer que um lado está certo e outro errado não é correto: os interesses da F-1 são muito mais amplos e a guerra está apenas começando.

Há pouco mais de um mês o Bob Sharp escreveu a respeito da estréia do motor Cosworth, que coincidiu com a do Lotus 49, onde há um vídeo muito interessante que exemplifica o que Mosley e Ecclestone querem trazer de volta.
Se em outras ocasiões houve a possibilidade uma ruptura entre a F-1 e o poder estabelecido, a FIA/FISA, desta vez isso pode parecer estar no horizonte próximo, mas o tamanho da encrenca é maior. O apelo da categoria está desgastado, a dificuldade de dominar as novas mídias sociais pasteuriza cada vez mais seu ambiente e seu custo não pára de crescer. Por outro lado, a FIA não soube capitalizar a introdução de motores híbridos, Todt se divide entre o esporte e a segurança nas estradas e, pior cenário, a União Européia já recebeu reclamações oficiais das equipes Force India e Sauber sobre o sistema de distribuição de prêmios e o poder decisório concentrado em cinco das dez equipes atualmente inscritas no campeonato.

Os mais críticos chegam a comparar o teor explosivo do caso com o escândalo que afastou Joseph Blatter da FIFA. Os menos incendiários acreditam que a possibilidade de uma ruptura com a FIA poderá ser a primeira pauta-bomba do setor. Como se tudo isso não bastasse, após o escândalo da VW — cujos motores Diesel foram preparados para fraudar o controle de emissões no mercado dos Estados Unidos —, já se fala em situações semelhantes envolvendo modelos fabricados pela FCA, Honda, Mercedes e Renault no mercado europeu. Certamente o investimento dessas empresas no circo do tio Bernie passará por importantes revisões orçamentárias.

WG

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